Rio 2016 era sobre um desejo de Brasil
Logo de início, no primeiro ato, a abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro deixava claro que tudo se tratava de uma grande gambiarra. O que num primeiro momento parecia um “fizemos o que deu” se transformava a partir de uma inundação e ressignificava em mim a utopia de um Brasil que não existiu. Tá certo que dizem que banho de mar cura tudo, mas a ressaca traz de volta mais tarde tudo que arrastou – pra algum lugar. O mar invadiu o Maracanã para contar a história do surgimento da vida. O Rio não se contentava em contar sua história ou a do Brasil: era sobre tudo – e talvez sobre nada. Era sobre tudo porque narrava a evolução das espécies enquanto fantasiava o discurso romântico em que o bom selvagem encontra o português explorador na exuberância de nossas florestas. Era sobre tudo também porque retratava uma formação brasileira quase freyriana enquanto Karol Conká surgia em seguida desconstruindo parte desse Brasil mitológico. Era sobre a cultura, sobre nossos orgulhos mais questionados – 14 bis – e era sobre aquecimento global, sobre ecologia, sobre sustentabilidade, sobre o funk, rap, samba, brega, a bossa nova. Era sobre Chico, Gil, Caetano. Sobre Jobim. Sobre Anitta, Ludmilla, Zeca Pagodinho, D2. Sobre a Garota, não necessariamente de Ipanema, Gisele Bündchen. Era sobre várias coisas que nos disseram que são o Brasil.
Era também sobre nada. O vazio. A escassez. A gambiarra. E talvez o nada fosse mais brasileiro do que tudo citado até agora. Os efeitos de luz e as coreografias fantásticas de Deborah Colker enchiam-me os olhos pela plasticidade. Mas uma coisa muito cruel da abertura dos Jogos Olímpicos é que para além de um espetáculo é também uma cerimônia. E, olha, em meio a tanta beleza eis que a câmera enquadra Michel Temer ao lado do presidente do Comitê Olímpico. E foi essa a primeira vez que me deparei com o Brasil real. Ele, como sempre, num semblante péssimo, não sorria. Ele se esforçava ao máximo para passar despercebido evitando vaias. As que aconteceram no estádio do Maracanã não vazaram nos microfones. Temer me derrubou do cavalo. Mas eu rapidamente me reergui porque o ritmo era frenético. Não dá tempo. Eles mandam logo um “moro num país tropical, abençoado por Deus...” e eu já me entrego novamente àquele universo paralelo em que o Brasil, nas palavras de Regina Casé, é um lugar de diversidade.
As problemáticas são tantas. A romantização do fazer muito com pouco, da precariedade e da mitologia de tudo que mascara o que é o Brasil profundo. Mas na real, minha vontade era entrar na tela da TV e morar nessa floresta maluca em que Regina Casé fala inglês de terno branco. Eu ouço muito falar que o Brasil adoece a gente, torna a gente amargo. As olimpíadas foram em muitos aspectos um grande fracasso no Rio. E tudo que se sucedeu deixou claro que o investimento não era uma prioridade para o país. Mas assistindo à cerimônia no Brasil de agosto de 2020, eu me senti especialmente inspirado. Eu aprendi ao longo da vida acadêmica a questionar todos os mitos da formação do Brasil pela forma como escondem a complexidade da nossa realidade. Mas eu confesso que sentia tanta falta de ver algo que me orgulhasse. Daí eu já me pego logo pensando se essa minha fantasia não diz respeito a querer voltar a um passado também fantasiado em que eu acreditaria naquele país que lideraria a discussão sobre ecologia no mundo. E também sobre quanto disso é apenas viagem de homem branco que acha que tá ruim agora mas que pra muita gente o inferno é de sempre. Sei lá. Pode ser tudo isso. Mas esse texto é mais sobre a calma que essa fantasia me proporcionou, especialmente após a última semana bizarra em que o Brasil esteve na idade média. Esse texto é sobre encontrar refúgios para acreditar que não somos um país da barbárie. Fake it until you make it. “Isso aqui ô ô, é um pouquinho de Brasil iá iá. Deste Brasil que canta e é feliz. Feliz.”
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